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Pesquisa-ação-participativa na pandemia: aspectos metodológicos

Atualizado: 16 de fev. de 2021

Postado em: 15 fev 2021 às 20h00 | Por: Davis Gruber Sansolo & Giovanna Gross Villani, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Les Levidow, Open University.


‘AgroEcos’ encurta o nome formal de nosso projeto, ‘Economia Solidária baseada na Agroecologia na Bolívia e Brasil’. A abreviatura metafórica indica que essas práticas ecológicas geram ecos através do tempo e espaço, assim se replicando amplamente. Este artigo explica a origem do projeto, seu plano original para pesquisa-ação-participativa e nossas adaptações durante a pandemia, sobretudo aspectos metodológicos.


Origem do projeto


No dia 08 de abril 2019 foi realizado o “Seminário de Agroecologia e Economia Solidária da Baixada Santista” no auditório do Instituto de Biociências do Campus Litoral Paulista. Este evento estendeu a parceria anterior entre a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS), assim como muitos componentes.

Participaram desse encontro os seguintes: professores e pesquisadores do Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (INTERSSAN) da Unesp Botucatu; representantes de redes de consumidores de produtos agroecológicos de Santos; Articulação Paulista de Agroecologia, Representantes de Aldeias Guaranis e Tupi Guaranis da Baixada Santista; Organização de Mulheres Produtoras Rurais; FUNAI; CATI e representantes do poder público dos municípios de São Vicente, Santos, Itanhaém e Peruíbe; professores e alunos do TerritoriAL e do IB-CLP da UNESP; e do programa ‘Desenvolvimento Internacional e Inovação Inclusivo’, Open University.

Os objetivos desse seminário foram a promoção de diálogo, para formação e fortalecimento de uma rede de economia solidária baseada na produção agroecológica. Além disso, a apresentação de demandas para pesquisa e extensão, para o fortalecimento dessa relação entre a agroecologia e a economia solidária no Litoral Paulista, onde vivem um grande contingente de populações marginalizadas tradicionais e não tradicionais.

Após a apresentação das iniciativas de agroecologia e economia solidária da Baixada Santista, foram formados grupos de trabalhos em que se discutiram as principais demandas para pesquisa e extensão, para o fortalecimento da Economia Solidária baseada na Agroecologia. Tais demandas serão inclusas em um projeto de pesquisa que está sendo escrito conjuntamente entre os pesquisadores da Unesp e da Open University.

A partir desse seminário e de uma pesquisa rápida de campo na Baixada Santista, foi elaborada uma proposta de pesquisa-ação-participativa. Envolveu equipes dos três países com organizações comunitárias de camponeses, indígenas e mulheres que promovam inovação agroecológica nos territórios do Valle Central da Bolívia, do Litoral Norte de São Paulo e Sul Fluminense e na Baixada Santista (SP).


Pesquisa participativa: ajustada durante a pandemia


Originalmente a proposta planejou um método de pesquisa participativa para apoiar as comunidades. Em particular, para fortalecer e disseminar as suas capacidades para a estruturação de uma economia solidária baseada na agroecologia: daqui EcoSol-agroecologia como frase encurtada. Assim as comunidades conseguiriam usar de forma mais eficaz as medidas de apoio identificadas ao longo do projeto.

Como proposta inicial definiu-se temas por grupos para uma revisão da literatura: desigualdades, gênero e EcoSol-agroecologia (pelo grupo da UNESP e Baixada Santista); metodologias participativas (Jaina da Bolívia); métodos de registros alternativos com base em diálogo de saberes (OTSS); e EcoSol-agroecologia (Open University). Os relatórios iniciais foram apresentados em reuniões em videoconferência, prévios ao afastamento social.

Havíamos previsto originalmente a realização de workshops presenciais em cada território para observação e troca de experiências, com o objetivo de identificarmos e fortalecer as capacidades locais. Em fevereiro de 2020, quando a pandemia foi anunciada no Brasil, iniciamos um debate: “Como prosseguiríamos a pesquisa diante de um cenário futuro incerto da pandemia?”. Em março de 2020, quando foi declarada a quarentena no Brasil, decidimos que iríamos dar continuidade com a pesquisa, mas que deveríamos repensar a metodologia de trabalho. Sobretudo não sabíamos como manter uma proposta metodológica a distância coerente com os pressupostos da pesquisa ação-participativa.

Ao passo que a pandemia foi nos enclausurando em nossos espaços domésticos, diversas atividades baseadas na comunicação remota foram desenvolvidas na Baixada Santista, na região da Bocaina e no Vale Central em Tarija, assim como em diversas partes do mundo. Google Meet, Zoom e outras plataformas de videoconferência se tornaram o ambiente de comunicação e registro de ações e pensamentos em diversas partes do planeta.

Para marcarmos a nova fase, criamos uma identidade visual do AgroEcos com apoio (logotipo abaixo) da equipe de comunicação do OTSS. Criamos um site do projeto e uma página no Facebook para divulgarmos nossas ações.






Participamos de diversos eventos virtuais organizados pelo Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS), da Comunidade de Estudios Jaina e pelo Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS). A exemplo dessas iniciativas resolvemos adaptar nossa ideia inicial de oficinas presenciais, com a realização de seminários virtuais desenvolvido por cada parceiro do projeto. Os seminários foram conduzidos abordando o tema sobre as ações de EcoSol-agroecologia, antes e durante a pandemia.

Constatamos que nos três territórios diversas ações inovadoras relacionadas à soberania alimentar, a práticas EcoSol-agroecologia foram desenvolvidas. Diversos grupos foram inclusive fortalecidos durante a pandemia. Os seminários foram transmitidos via Google Meet, gravados e – assim como os outros vídeos em que os membros do AgroEcos participaram – foram depositados em uma pasta de vídeos no Google Drive.


Perguntas analíticas


A partir dos documentos, realizamos análises e reflexões internas e foi proposto uma reformulação em nossas perguntas analíticas:

  1. As redes de EcoSol-agroecologia promovem identidades territoriais/objetivos comuns? O que elas querem transformar (as condições socioeconômicas, os sistemas agroalimentares, criar autonomia, resistência, agrobiodiversidade)? A diversidade permite identidades comuns? Como as identidades abrangem a diversidade?

  2. Como as redes de EcoSol-agroecologia desenvolvem capacidades coletivas: que capacidades (autogestão, interdependências, autonomia)?; quais formas (mutirões, diálogo de saberes, tecnologias sociais, cursos, partilhas, recuperando tradições produtivas/alimentares)?

  3. Que processos e metodologias estão sendo utilizadas para irradiar/ampliar as capacidades coletivas para o território (multiescalaridade – microterritórios – macroterritórios)? Esta questão vai além das iniciativas ou redes específicas. Como estas capacidades coletivas desenvolvidas se ampliam para além da iniciativa/comunidade/rede e se irradiam para o território, região (de um microterritório para macroterritório; de um empreendimento solidário para um fórum de EcoSol; de uma associação para uma rede de associações).

  4. As redes de EcoSol-agroecologia desenvolvem que relações com as políticas públicas? (políticas públicas construídas a partir da sociedade (base); em parceria com institucionalidades locais, territoriais; relações de conflito; como é o acesso? Dependência ou autonomia?). municipal, estadual e federal.

  5. Como as redes de EcoSol-agroecologia enfrentam as desigualdades socioespaciais, gênero, racial e econômicas? Que medidas para superá-las?

  6. Como estes processos (iniciativas, metodologias) constroem a emancipação das mulheres: (visibilidade do trabalho das mulheres, na autonomia e empoderamento delas)?


Essas questões foram norteadoras para construção de uma matriz analítica inspirada pela matriz de avaliação produzida pelo Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), que é utilizada para o monitoramento e análise das ações do OTSS no território em que atuam. Uma nova matriz foi organizada para o tema EcoSol-agroecologia (veja Anexo).


NVivo: para esclarecer perguntas


Ao longo dos debates entre a equipe de pesquisa sobre novas possibilidades metodológicas para pesquisa qualitativa, foi definido o uso do software NVivo Versão Release 1.3, para que este pudesse somar nas análises dos documentos gerados pelos territórios. Trata-se de um instrumento de organização de diversos documentos de naturezas distintas, como relatórios, artigos, vídeos, postagens em redes sociais, notícias da web, entre outros. A partir de critérios pré-definidos, o software ajuda a identificar, dentro dos documentos, partes relativas aos critérios pré-definidos para posterior análise.

Além disso, o NVivo oferece diversas ferramentas para facilitar esses processos analíticos, gerando produtos visuais, como nuvem de palavras, frequência de palavras, gráficos, árvore de palavras, mapas mentais e conceituais, diagramas, matrizes estruturais, pesquisa de texto e outras possibilidades de exploração.

Dito isso, foram realizadas oficinas com integrantes do grupo para estruturar a matriz analítica dentro da lógica do software, transformando as “dimensões analíticas” e “parâmetros” em códigos e sub-códigos (por exemplo, estruturas para armazenamento de informações codificadas e fragmentos de textos), respectivamente. Para cada sub-código fora atribuída uma “descrição”, que compreende os indicadores ou variáveis da matriz. Assim como cada território, e seus respectivos documentos a serem analisados, se traduzem como “casos”, sendo essas entidades às quais são vinculadas atributos.

Após essa estruturação, avançou-se nos seguintes procedimentos: importação e organização dos documentos para o interior do NVivo. Foram importados relatórios, capítulos de livros, artigos e transcrições de vídeos no formato Word e PDF, além de notícias da internet por meio do NCapture[1]. Posterior a essa etapa, a equipe organizou grupos de trabalho em duplas e triplas para que pudessem desenvolver as codificações dos arquivos. Decidiu-se que a primeira dimensão analítica (código) orientadora da codificação dos documentos seria “Soberania e Segurança Alimentar” e os parâmetros (sub-códigos) seriam: “Acesso/construção de novos mercados”, “Produção agroalimentar”, “Uso / Recuperação de agrobiodiversidade” e “Políticas Públicas”.

Sendo assim, com o auxílio de ferramentas como “Pesquisa de Texto” oferecidas pelo Software, palavras-chaves (como “circuitos curtos”. “trocas”, “feiras”, “PAA”, “PNAE”, entre outras), foram utilizadas para que fragmentos de textos pudessem ser associados às categorias analisadas. A título de exemplo, temos o seguinte fragmento de texto de um documento da Baixada Santista sendo codificado no sub-código “políticas públicas”: “Atuar para que as prefeituras implantem um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) dos produtores rurais locais e distribuição às populações em estado de vulnerabilidade social”.

Com mais de 700 codificações realizadas, foram elaborados relatórios das codificações de cada um dos quatro parâmetros para que pudessem ser analisados. Assim, estes quatro relatórios foram distribuídos para duplas e triplas para que estes, em reuniões virtuais e utilizando a ferramenta Google Docs, levantassem seus apontamentos e questões mais específicas, tendo como enfoque os documentos do caso Baixada Santista. A cada fragmento de texto analisado, uma nova questão específica era gerada, levando em consideração que estas deveriam estar alinhadas às perguntas analíticas já apresentadas acima.

Por exemplo, no relatório de codificações “Acesso e construção de novos mercados”, em um documento intitulado “Ativar proximidades para construir a economia solidária” foi analisado o seguinte fragmento de texto: “Neste período emergiram na Baixada Santista Redes de Economia Solidária nos municípios de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá e Bertioga como forma de reação às dificuldades de comercialização tradicional de produtos e serviços”. A partir dessa frase foi apontado pela equipe: Quais foram essas dificuldades? Quais eram as dificuldades antes da pandemia? Existe uma articulação entre esses empreendimentos nesses municípios?.

Por fim, foram organizadas as questões em uma planilha no Excel, para que a partir delas pudéssemos propor a elaboração de um roteiro a ser aplicado em entrevistas virtuais com iniciativas de economia solidária baseadas em agroecologia da Baixada Santista, buscando aprofundar o debate com os grupos pertencentes aos territórios envolvidos na pesquisa.


Próximos passos


Primeiramente serão entrevistados grupos na Baixada Santista, em seguida da região da Bocaina e por último do Vale Central em Tarija. Será utilizado o Google Meet para as entrevistas que serão gravadas e posteriormente analisadas frente novamente as perguntas analíticas do projeto. Sempre que a pandemia diminui futuramente, esses grupos serão visitados presencialmente, como no plano original do projeto.

Em suma: Por várias medidas o projeto está tentando para avançar pesquisa-ação-participativa apesar das restrições higiênicas durante a pandemia. Pelos webinars públicos (e outros fontes) com alguns protagonistas, o projeto obteve textos que exprimam os conceitos e estratégias das redes EcoSol-agroecologia. Nesta base podemos investigar e estimular mais profundamente as capacidades coletivas.

[1] Extensão de navegador da web gratuita para Chrome e Internet Explorer que permite reunir conteúdo da web para importar para o Nvivo.


Anexo - MATRIZ ANALÍTICA AGROECOS
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